VAMOS CONVERSAR?

Meu avô, gaúcho do interior do Rio Grande do Sul, gostava de prosear, como dizia. Sentia-se feliz em sentar-se numa roda de chimarrão com a família e com os amigos que sempre apareciam. Fazia parte do ritual doméstico, que começava cedo, antes do farto café da manhã. Podia-se tomar chimarrão à qualquer hora, mas este ritual se repetia em outros momentos do dia, especialmente no fim da tarde, quando a roda para o mate quase sempre era maior, com a presença de algum filho, neto ou amigo que não dispensava a hospitalidade amorosa e acolhedora que meus avós ofereciam. E a conversa era boa, sempre rendia. Era um momento para trocar idéias, falar de negócios, questões familiares, compartilhar planos, alegrias, preocupações, dar e receber notícias dos parentes de longe e dos amigos. 


Na ocasião do meu casamento, meu avô fez sua única viagem até ao Rio de Janeiro. Achou a viagem muito longa (de ônibus, pois naquela época as viagens de avião não eram tão acessíveis como hoje), mas gostou de experiência, e principalmente de conhecer o mar, lamentando que minha avó, falecida há pouco tempo, não tivesse tido a mesma oportunidade. Mas não gostou do nosso modo de tomar chimarrão, andando pra lá e pra cá com a cuia na mão, sem descuidar das atividades domésticas, ou de qualquer outra coisa que estivéssemos fazendo. E ele reclamou sério:  - “Vocês não se sentam pra tomar o mate?”. Porque se não fizer a roda não se conversa, e onde já se viu isso? Mas nós, não tínhamos tempo para parar numa roda familiar e nos entretermos numa conversa gostosa, nem mesmo para falar do assunto do momento, o casamento que estava chegando.

Lembro-me sempre dessa experiência com meu avô quando penso nas relações interpessoais e como, em suas diferentes manifestações, está faltando diálogo. Está raro mesmo. Dialogar, é conversar, é falar sobre alguma coisa com alguém. Para se entreter numa conversa, tem que existir um locutor e um interlocutor, no entanto, duas ou mais pessoas falando não significa que estão dialogando. Do mesmo modo que andar pela casa com a cuia na mão, um falando daqui, outro falando dali entre uma atividade e outra, não é diálogo. Nem conversar na frente da TV, seja em casa ou no restaurante, é diálogo. É uma conversa sem conexão, onde ninguém está presente, é apenas um falatório. A conversa sai truncada, muitas vezes sem sentido algum. O diálogo exige que as pessoas se ouçam, se escutem umas às outras abrindo as portas do coração. Dialogar é trocar idéias num caminho de mão dupla, que vai e vem, que tem ida e volta. Não necessariamente concordando um com o outro, mas sim, estar disponível para ouvir, acompanhando o que ele está dizendo, para devolver com suas próprias idéias e pensamentos. É falar e ouvir.

Algumas pessoas pensam que estão conversando, mas não estão, quando um está falando, e o outro interrompe para dizer: “isso aconteceu comigo..”, ou então, “é exatamente como eu...” Parece que a pessoa está querendo continuar a reflexão do outro, mas está enganando. Ele quer falar e falar, ser ouvido, e não quer ouvir.  Estão tão carentes de falar, que quando encontram uma pessoa com paciência para ouvir o que lhe falam, sem nunca interromper, não param, falam sem parar. Mas será que ela está ouvindo mesmo? Ou será que o outro está num monólogo solitário e não percebe?

Essa carência precisa ser percebida e resolvida porque ela impede e bloqueia a abertura de novas possibilidades relacionais, e a pessoa vai utilizando o outro em função das suas próprias necessidades. É muito comum encontrarmos quem, em lugar de resolver suas questões com quem está diretamente envolvido terceiriza, leva para outros, proliferando o tal disse-que-disse. Ilude-se numa falsa intimidade quem pensa que apenas compartilhar reclamações, críticas e outras depreciações está dialogando.

Dialogar é deixar à mostra nossos pensamentos e sentimentos. Mas quando não há conexão, quando um fala aqui, outro responde ali, vamos ficando desconfiados, vacilantes e nos fechamos, pensando que abertura é coisa de gente ingênua, e gente ingênua é passada para trás. Vamos nos fechando por defesa, e logo nem sabemos do que estamos nos defendendo. É certo que nem todos são confiáveis para ouvir minha exposição, e nem sempre dispostos para ouvir com atenção e abrirem-se também. Mas não somos seres isolados e sim, seres de relação. Precisamos do outro, da vivência do compartilhar.

Ouvir melhor o outro não significa ignorar as próprias necessidades. Mas precisamos exercitar a capacidade de escutar, de ouvir com o coração. Em geral nós falamos muito e mal ouvimos o que os outros têm a dizer. Procure se abrir e admirar a realidade, a verdade do outro, e você perceberá que muita coisa funcionará melhor apenas a partir desse postura de maior empatia.

Precisamos retomar a capacidade humana de nos relacionarmos, de estabelecer laços empáticos, de promover momentos de troca, da curiosidade sadia sobre quem é o outro diante de mim, da possibilidade de nos reconhecermos nas relações que vivemos. Apontar menos o dedo e estender mais a mão, abrir mais os campos de receptividade, exercitar a abertura que não é monólogo. Precisamos praticar o diálogo descontraído, onde os dois, ou três, quantos forem, sintam-se à vontade para falar e ouvir com respeito os sentimentos e pensamentos um do outro.

Uma boa conversa alimenta e alegra a alma. Vamos conversar?

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Eliana Bess d’Alcantara – CRP 05/33535

2 comentários:

Marcelo disse...

Ten razão. Como fica complicado, na nossa sociedade, onde se tem uma vizão padronizante e massificada do ser humano, ter um olhar mais pessoal, próximo, o que pressupõe esse habito fundamental de conversar. O ser humano tem a necessidade de conversar. O que não pode se colocar em palavras, surge no ato, nas barbáries.
Belo blog!
Visite o meu.
Abs

Eliana Bess d'Alcantara disse...

Obrigada, Marcelo! Vou visitar o seu blog sim. Abraço!