MENTIRA OU FANTASIA?

O livro, O Meu Pé de Laranja Lima, conta a história de Zezé, um menino de seis anos, que conversava com um pé de laranja lima que havia no quintal de sua nova casa, a quem chamou de Minguinho. De tão levado que era, vivia ganhando palmadas, e era com Minguinho que Zezé conversava e desabafava. À medida que ia convivendo com a pequena árvore passou a reparar que ela falava e era capaz de conversar com ele. E Minguinho tornou-se o seu confidente, seu melhor e único amigo, aquele que lhe dava todo o carinho que não recebia em casa. O autor, José Mauro de Vasconcelos, conta esta história de uma forma muito poética, especialmente o momento em que isto deixou de existir porque Zezé cresceu. Quem já leu O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, certamente se lembra como o princepezinho usa os olhos da imaginação e consegue enxergar aquilo que o adulto não é capaz de enxergar.
É normal que a criança tenha amigos imaginários com quem conversa e de quem conta histórias. Dar asas à imaginação é um fator muito rico e importante no desenvolvimento das crianças. A imaginação fértil, como costumamos dizer, indica um crescimento saudável, pois enquanto ela excercita a criatividade no faz-de-conta, aprende a organizar seu pensamento, e reflete sobre seus desejos, suas ações e as consequências delas.  Os amigos imaginários vão desaparecendo à medida em que ela vai crescendo, e fazendo amizades reais.

Até três anos de idade a criança não distingue entre o real e o imaginário. Não consegue separar o faz-de-conta da realidade. É por volta dos três anos que a criança inventa um companheiro imaginário para conversar e brincar. Geralmente este personagem é bom, prestativo, e é dirigido e comandado por ela, o que lhe dá uma sensação de controle e poder. Entre os três e seis anos de idade ela está aprendendo a usar os símbolos, e mistura naturalmente fantasia e realidade. Podemos observar com frequência a criança falando sozinha, enquanto brinca ou realiza alguma atividade. Só mais tarde, lá pelos sete anos, aprende a trocar o simbolismo pela linguagem mais elaborada. A internalização do certo e do errado vai acontecendo através de processos internos e será por volta dos nove anos que a criança terá estes dois conceitos melhor definidos. Portanto, ela poderá, neste percurso, às vezes, não falar a verdade e isto será normal. Nesta fase, os pais só devem se preocupar quando perceberem que a criança tem o objetivo de fugir da realidade, não enfrentar determinadas situações, ou levar algum tipo de vantagem. Se após os dez anos o amigo imaginário não desapareceu, e o uso de histórias fantasiosas continua muito frequente, pode ser um indício de algum problema que precisa ser tratado.

Mas se a criança está vivendo um momento difícil, como a separação dos pais, ou com dificuldade de adaptação a uma nova escola ou cidade, muitas vezes ela pode mentir de propósito, com o objetivo de prejudicar alguém, desejando, na verdade, retornar à sua vivência anterior. A história de Pinóquio e de seu nariz que crescia cada vez que mentia, mostra de forma figurada que a mentira tem consequências negativas, e como pode prejudicar as pessoas.

Por que a criança mente? Vejamos algumas razões possíveis:

- A criança mente porque não quer decepcionar seus pais que, às vezes, têm expectativas muito grandes em relação a ela.
- Também mente por defesa, pois com medo de apanhar ou de ser castigada, mente sobre algo errado que fez. Pais muito bravos correm o risco de estarem ensinando os filhos a mentir, porque a criança pode deixar de falar a verdade por medo do castigo e da represália.
- Pode mentir por não saber enfrentar críticas, por não estar com a autoestima bem estruturada. A mentira geralmente indica a sensação de fraqueza, de impotência diante de alguma situação.
- Se a criança é muito comparada com um irmão, primo, ou mesmo um coleguinha, ela se sente desvalorizada, e a mentira é uma tentativa se valorizar.
- A criança bem humorada, que gosta de brincadeiras, muitas vezes mente sabendo que quem ouve sabe que não é verdade, apenas com o objetivo de brincar. 
- Também pode mentir como um exercício, para ver a reação dos adultos. É a mentira-teste que surge quando ela está separando a fantasia da realidade, a mentira da verdade.
- Mente como parte da sua fantasia quando, por exemplo, tem um desejo intenso de possuir determinado brinquedo, a criança o descreve e fala sobre ele como se já o possuísse.
- A criança também mente porque aprendeu com os mais velhos. Presenciam os pais distorcendo os fatos, inventando desculpas, omitindo e mentindo.

Como lidar com a imaginação fértil dos filhos?

- Se você está em dúvida sobre a veracidade de um fato relatado pela criança, percebendo que sua história não está bem contada, não insista imediatamente no assunto. Deixe passar algum tempo e peça a criança para repeti-la, e compare as versões.
- Se for constatada a mentira, não grite, não castigue, não rotule a criança de mentirosa. É necessário explicar com calma, dando exemplos reais, sobre as conseqüências negativas da mentira, a possibilidade de prejudicar a si mesmo e aos outros. Se prejudicou alguém, deixe claro por que é errado fazer isso. Este também pode ser um bom momento de ensiná-la a pedir desculpas.
- Não submeta a criança a interrogatórios ostensivos, nem a pressione em demasia para obrigá-la a contar a verdade. Para saber a exatidão dos fatos, prefira perguntas genéricas que estimulem a fala. "O que aconteceu na escola?" é melhor que "Alguém te bateu na escola?", pois, neste caso, só pode ter sim ou não como resposta - e a probabilidade de erro é maior.
- Observe se as mentiras são freqüentes e se são ligadas a alguém, à escola, ou outro lugar específico, pois revelam que criança está angustiada em relação àquele assunto.
- Educar é antes de tudo dar exemplo. Se os pais costumam mentir ou encobrir mentiras dos outros, os filhos naturalmente vão imitar esse comportamento. Os pais são o modelo da criança, e neles ela se espelha. Nesta idade o caráter e o senso ético estão sendo formados, e a criança irá repetir pela vida o que estiver aprendendo nessa fase.
- Entenda que a fantasia é importante para o desenvolvimento da criança. Estimule-a de forma saudável e criativa. Recorra aos símbolos para falar de assuntos complicados, como sexo, morte e dinheiro, sempre respeitando sua idade.



Eliana Bess d'Alcantara - CRP 05/33535

2 comentários:

Eduardo disse...

Esse documento sobre "Mentira ou Fantasia" é muito instrutivo. Sou pãe (pai+mãe) e vivo só com meu filho de 3 anos e 7 meses e, já percebo ele falando sozinho. Achei isso lindo e, também pensei que realmente isso fosse parte do densenvolvimento dele e ajudará a organizar suas idéias. Gosto de ler e inventar estórinhas para ele assim eu participo e ajudo ele aguçar suas imaginação.

Eliana Bess d'Alcantara disse...

Olá Eduardo, gostei de ler seu comentário, e saber que gosta, e lê com seu filho. Faça isso sempre, não se canse, mesmo que ele peça para repetir a mesma história todos os dias, e vá contando junto. Além dos benefícios pessoais para seu filho, essa experiência diária fortalecerá o vínculo afetivo entre vocês.

Abraço!
Eliana